sexta-feira, 16 de novembro de 2007

CAPITULO I - "MOBY DICK”

É de admirar a grande quantidade de animais que povoam a literatura do mundo todo. Não digo só a grande literatura, mas sim, a literatura em geral.

Sou um daqueles homens que não sei pensar em dinheiro (vício do homem moderno), mulheres, de maneira desabonadora, etc. Só sei pensar em artes, livros, autores, enredos e por aí afora. Dia desses, no meio da noite, acordei com a cabeça cheia de bichos da literatura, que, mesmo me marcando profundamente, quando os vi pela primeira vez, por ocasião da leitura dos seus livros, muitos foram por mim esquecidos e nessa referida noite, como num conciliábulo animalesco, se reuniram para me perseguirem e não me deixaram em paz, enquanto não voei da cama e comecei a falar deles e de seus criadores.

Duvido muito que o mais frio e calculista dos viventes, nascido de mulher, não se impressione vivamente com a fúria selvagem, os gritos e a força descomunal de Moby Dick, a imensa, a desmedida baleia branca, tão bem descrita por Herman Melville. Nesse livro, aprendemos tudo sobre o soberbo cetáceo, tudo sobre a tormenta dos mares-oceanos e tudo sobre a estupidez humana. Duvido de que o vivente leia “Moby Dick” e não saia dele totalmente lambuzado de alga, salsugem e queimado pelos sóis, ventos e gelosidades dos mares. Quando a gente sai desse livro, tem a sensação de ouvir, sempre ao longe, os silvos imensos da baleia ferida; carregando na cacunda os ganchos infernais do arpão assassino do Capitão Acab.

O nosso mineiríssimo João Guimarães Rosa fala sempre de bichos em suas obras, e poucos deles nos marcam tanto a sensibilidade, como a cascavel do conto “Bicho Mau”, de “Estas Estórias” e o “Burrinho Pedrês”, de “Sagarana”, ambos, movimentantes, nas páginas do grande narrador.

Tolstói, com maestria, descreve no seu “Os Cossacos” a presença constante do urso pardo nos campos gelados do Cáucaso, sempre perseguindo os cortiços de abelhas dos campônios montanheses. É por demais conhecido de todos o grasnido infernal e enjoativo do corvo de Edgar Allan Poe, que diz sempre a mesma frase monótona, empoleirado na cabeça de uma alva estátua de Minerva:

- “Nunca mais! Nunca mais!...”

O também norte-americano William Faulkner muito contribuiu com uma quantidade enorme de animais para a literatura. É inesquecível a constante presença de uma mula, no desenrolar de uma narrativa criminosa, contada na novela “O Mundo não perdoa”, ou o urso do livro “Desça, Moysés”.

Em um dos seus poemas, Jorge de Lima diz o seguinte: “O sagüim de Iaiá dorme num coco” e mais adiante, no mesmo poema “A Madorna de Iaiá”, o grande vate alagoano, ainda falando de bichos, assim se expressa: “Muito longe uma peitica faz Si-dó...Si-dó!...” Ascenso Ferreira, no seu estilo jocoso, deu sua contribuição no belo poema “Ascensão de São Pedro”: “Seu vigário! Está aqui uma galinha gorda, que eu trouxe pro mártir São Sebastião. Está falando com ele! Está falando com ele!” O romancista paraibano, José Lins do Rego, tem obsessão pelo canário da terra. Gilberto Freyre fez longas e belas descrições a respeito da cabra, do cavalo, do cão e da vaca. Euclides da Cunha muito elogiou a mula, no desempenho da selvagem guerra de Canudos. José Mauro de Vasconcelos descreve com beleza ímpar a formosura de alguns pássaros de nossa terra, em especial, os flamingos e jaburus. Mário Palmério, em “Vila dos Confins”, descreve uma caçada de onça, que se torna uma das partes mais interessantes para os leitores do romance. Cassiano Ricardo tinha predileção pelo jaguar das nossas matas. Castro Alves, além de outros animais, gostava também do jaguar e da juriti, a qual descreve em sentidos versos: “A juriti do taquaral no ramo, povoa soluçando a solidão”.

As novelas e contos de Ernest Hemingway estão saturadas de miúras, cavalos, trutas, perdizes, faisões, elefantes, alces, leões, patos selvagens, espadartes, tubarões e outros bichos. É sabida a fascinação de Jorge Luis Borges pelos tigres e Julio Cortázar pelos gatos. É por demais conhecido o conto do guatemalteco Miguel Ângel Astúrias, intitulado “Torutombo”, em que o velho Prêmio Nobel descreve como ninguém a fúria de um touro selvagem. No livro “Sangue e Areia”, do espanhol Vicente Blasco Ibañez cuida o tempo todo de touradas, bois, toureiros, cavalos e mulheres bonitas. O uruguaio Horácio Quiroga, no livro “Anaconda”, descreve o terrível das nossas selvas, cheias de mistérios, animais fantasmagóricos e todo tipo de assombrações criadas pelo imaginário popular. “A Divina Comédia”, de Dante, começa com uma loba e um leão. A cachorra Baleia, de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, se tornou tão famosa como o seu criador e hoje corre mundo e uiva em diversas línguas do planeta.

O inseto estranho, de “A Metamorfose”, de Kafka, se tornou tão popular, que o povo se encarregou de transformá-lo em uma barata. O romancista baiano, Jorge Medauar, tem uma novela que se chama “A Procissão e os Porcos”. O velho folclorista pernambucano, Mário Souto Maior, em “Os Mistérios do Faz Mal”, apresenta uma lista enorme com os nomes dos animais que o Criador anunciou a Moisés, dizendo o que servia e o que não servia para a alimentação do povo de Deus. Lawrence da Arábia enfatiza sempre o valor do camelo nos seus “Os Pilares da Sabedoria”. O boi e o cavalo são sempre citados nos romances de Erico Verissimo. Dionélio Machado escreveu uma novela intitulada “Os Ratos”. A paulista Lígya Fagundes Telles, “O Seminário dos Ratos”. Em “A Peste”, do francês Albert Camus, os ratos invadem e passeiam livremente pelas ruas de uma cidade. Em uma das novelas menores de Balzac, é descrita a convivência amigável de um homem com um tigre, o mesmo acontecendo no conto “Meu Tio Iauaretê” do livro “Estas Estórias”, de Guimarães Rosa.

O grande Jorge Amado, no capítulo “A Mata”, do seu inconfundível “Terras do Sem Fim” (para mim o livro mais poético do autor), descreve uma infinidade de animais como as andorinhas, corujões, macacos, “cobras de inúmeras espécies que deslizavam entre as folhas secas, sem fazer ruídos, onças miavam seus espantosos miados nas noites de cio”. No mesmo capítulo, o Jorge Amado ainda cita o lobisomem, a caapora, a mula-de-padre, o boitatá, o lobo e tantos outros seres imaginários. O jornalista Nelson Rodrigues tinha obsessão pelas “cabras vadias”.

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